Artigo: Inventário Extrajudicial (Parte I – noções introdutórias) - Débora Fayad Misquiati
Publicado em 25/02/2015
Com o advento da Lei nº 11.441 de 2007, o Código de Processo Civil sofreu alterações possibilitando a realização de inventário e partilha por via administrativa (artigo 982 do CPC).
A Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro. A Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo publicou, no dia 5 de fevereiro de 2007, conclusões referentes à Lei nº 11.441/2007. Ao elaborarmos um inventário extrajudicial devemos nos atentar, em especial, as normas públicas de ordem sucessória, previstas no Código Civil, as leis que regerão a sucessão a época do fato gerador, o que prevê a Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça; as normas de serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado; e, as conclusões aprovadas pelo grupo de estudos da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, instituído pela portaria CG 01/2007, quanto à prática de atos notariais relativos à Lei Federal nº 11.441/2007; além das recomendações gerais do Colégio Notarial do Brasil. A sucessão é regida pela lei vigente ao tempo de sua abertura (artigo 1.787 e 1.784 do Código Civil). Portanto, os óbitos anteriores à vigência do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003), serão regulados pelo Código Civil de 1916. Vejamos alguns exemplos, para firmar a importância de se verificar a priori a data do óbito: O falecido vivia em união estável – faleceu antes do advento da lei 8.971 de 1994, que incluiu o companheiro da ordem de vocação hereditária – neste caso, tem-se por excluído a sucessão entre companheiros. O falecido vivia em união estável – faleceu no ano de 2000, aplicação da lei 9.278/1996 para definição da sucessão. Em suma, segundo a Lei nº 8.961/1994, o companheiro concorrerá com os filhos, com os ascendentes e, na ausência deles, herdará a totalidade da herança, ressalvada, ainda, a meação, que não constitui herança. Já, a Lei nº 9.278/1996, concedeu ao companheiro, além dos direitos já consagrados pelo diploma anterior, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, enquanto não constituir nova união ou casamento, direito este já garantido aos cônjuges desde o Código Civil de 1916. Veja o REsp 1203144 / RS - RECURSO ESPECIAL 2010/0127865-4, Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140), Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA, Data do Julgamento 27/05/2014, Data da Publicação/Fonte DJe 15/08/2014: Ementa - DIREITO DAS SUCESSÕES E DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. MANUTENÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.1. É entendimento pacífico no âmbito do STJ que a companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil. Precedentes. 2. É possível a arguição do direito real de habitação para fins exclusivamente possessórios, independentemente de seu reconhecimento anterior em ação própria declaratória de união estável. 3. No caso, a sentença apenas veio a declarar a união estável na motivação do decisório, de forma incidental, sem repercussão na parte dispositiva e, por conseguinte, sem alcançar a coisa julgada (CPC, art. 469), mantendo aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da união estável e seus efeitos decorrentes. 4. Ademais, levando-se em conta a posse, considerada por si mesma, enquanto mero exercício fático dos poderes inerentes ao domínio, há de ser mantida a recorrida no imóvel, até porque é ela quem vem conferindo à posse a sua função social. 5. Recurso especial desprovido. (grifo nosso) Nesse sentido, também a notícia publicada no Boletim Eletrônico INR nº 6814 - 13/2/2015: União estável: após morte de companheira, homem tem direito de continuar na casa em que viviam – (TJ-GO). Um viúvo conseguiu na justiça o direito de continuar a viver na casa em que morava com a companheira. Como eles não eram oficialmente casados, os filhos da mulher haviam despejado o homem, mas com a tutela antecipada deferida pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), ele poderá ficar na residência até que seja julgada a ação declaratória de união estável post mortem. A relatora do voto, acatado à unanimidade, foi a desembargadora Beatriz Figueiredo Franco. Segundo a Lei nº 9.278/96, que dispõe sobre a união estável, o sobrevivente terá direito real de habitação na residência da família, enquanto viver ou não constituir novo casamento – normativa utilizada pela magistrada para reformar a decisão de primeiro grau, a favor do homem. “Tal direito está cristalinamente assegurado ao convivente supérstite (cônjuge que sobrevive). Na verdade, o instituto do direito real de habitação está calcado nos princípios da solidariedade e da mútua assistência, ínsitos ao relacionamento estável. E mesmo que não concordem os herdeiros, esse direito fica assegurado ao companheiro”. Consta dos autos que o casal vivia em união estável numa casa no Condomínio Alphaville, em Goiânia, desde 2007. Com a morte da mulher, começou a briga judicial entre o homem e os filhos dela. Um dos herdeiros, inclusive, teria expulsado o viúvo da casa, impedindo-o de pegar seus bens que estavam no local. Em primeiro grau, na 6ª Vara de Família e Sucessões da comarca, o pedido para retornar ao imóvel foi indeferido – o magistrado singular não havia vislumbrado provas de que o casal vivia na casa em união estável. Contudo, o autor do processo conseguiu reunir documentos e indícios de que o casal compartilhava o mesmo teto desde o início do relacionamento, terminando, apenas, com a morte da mulher. (Fonte: http://www.tjgo.jus.br - Data de Publicação: 12.02.2015).[1] João casado – faleceu no advento do código civil de 1916 – cônjuge, nesta égide, não é considerado herdeiro necessário. Portanto, a depender do regime de bens, teria direito apenas a meação. O artigo 1.784 do Código Civil vigente cuida do princípio da “Droit de saisine”, a sucessão abre-se com a morte, momento em que se transfere a posse e propriedade do acervo hereditário e fixa a legislação aplicável. O artigo 1.829 do Código Civil de 2002 prevê a ordem de vocação hereditária na sucessão legitima (herdeiros designados pela lei). São herdeiros necessários: os descendentes; os ascendentes; e, os cônjuges (artigo 1.845 do Código Civil). Portanto, para excluir colaterais do direito a herança, basta testar os bens disponíveis. Conforme explica Mauro Antonini, em Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência – Lei nº 10.406 de 10.01.2002 (p. 2.198): [...] a sucessão legitima é estabelecida segundo uma ordem preferencial de classes de herdeiros, instituindo-se, dentro de cada classe, nova preferencia entre graus de proximidade com o autor da herança. Assim, dispõe o artigo 1.829, inciso I do Código Civil: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; Diante de nebulosa redação do artigo em comento, que dá margem a várias interpretações, não trazendo a segurança devida para prática do ato pelo notário, parece-nos que o melhor, após orientarmos os interessados dos diversos posicionamentos, seria adotarmos uma interpretação sistêmica, desde que todas as partes estejam em concordância. PREMISSA BÁSICA: O cônjuge será herdeiro dos bens em que não tem direito a meação, em outras palavras, cônjuge não herda nos bens que tem direito a meação. Longe de se ter um entendimento pacífico sobre a sucessão no regime da comunhão parcial, o Superior Tribunal de Justiça em precedente (REsp 954.567; REsp 975.964; REsp 1.117.563; REsp 1.111.095) decidiu que na comunhão parcial em que há bens particulares, o cônjuge tem meação nos bens comuns e cota hereditária nos particulares. O que vai ao encontro da intenção do legislador. Parecendo-nos a melhor posição a ser adotada. Nesse sentido é o enunciado número 270 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.[2] Portanto, se o autor da herança, casado no regime da comunhão parcial, não deixou bens particulares (bem adquirido antes do casamento; bem recebido por doação ou herança) o cônjuge sobrevivente terá direito apenas a sua meação. Já, se houver bens particulares, o cônjuge sobrevivente herdara em concorrência com os descendentes, no caso do inciso I do artigo 1.829, e na proporção prevista pelo artigo 1.832 todos do Código Civil. Prevê o artigo 1.832 do Código Civil: Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Antes do advento da lei do divórcio, Lei nº 6.515/1977, que entrou em vigor em 27 de dezembro de 1977, o regime supletivo era o da Comunhão Universal de Bens. Já na vigência de referida lei, o regime legal é o da comunhão parcial de bens. Portanto, casamentos lavrados após 27 de dezembro de 1977, em que os contraentes optem pelo regime da comunhão universal de bens, em regra, necessitam da lavratura de uma escritura de pacto antenupcial (artigo 1.653 do Código Civil). Porém, vale destacar que há casos em que a habilitação para o casamento realizou-se anteriormente à vigência da Lei nº 6.515/77, onde foi escolhido o regime da comunhão universal de bens, mas a celebração se deu na vigência da lei em comento, e sem a lavratura da escritura pública de pacto antenupcial: CSM|SP: Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de formal de partilha. Herdeiros casados na vigência da Lei do Divórcio pelo regime da comunhão de bens. Registro viável sem apresentação de pacto antenupcial, uma vez que a habilitação foi feita na vigência de lei anterior que não exigia tal formalidade quando adotado aquele regime. Recurso improvido. A C Ó R D Ã O. Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 173-6/0, da Comarca de OURINHOS, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelada LUCIANE MARTINS ROMEIRA E SILVA. A C O R D A M os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça. São Paulo, 20 de maio de 2004. (a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator. V O T O Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de formal de partilha. Herdeiros casados na vigência da Lei do Divórcio pelo regime da comunhão de bens. Registro viável sem apresentação de pacto antenupcial, uma vez que a habilitação foi feita na vigência de lei anterior que não exigia tal formalidade quando adotado aquele regime. Recurso improvido. 1. Trata-se de apelação interposta por Ministério Público de São Paulo (fls.59/62) contra sentença proferida pelo MM Juiz de Direito Corregedor Permanente do Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ourinhos (fls.52/56), que julgou improcedente a dúvida suscitada, autorizando o registro do formal de partilha, extraído do arrolamento sumário dos bens deixados pelo falecimento de André Martins Romeira. Sustenta, em síntese, o recorrente, que razão assiste ao Oficial, uma vez que os herdeiros Walter Martins Romera e Dovis Sales Romera casaram-se pelo regime da comunhão de bens depois de entrarem vigor a Lei6515/77, sendo necessário, portanto, o pacto antenupcial, ainda que a habilitação tenha sido feita na vigência da lei anterior. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls 137/139), porém, por fundamento diverso, qual seja, a existência de erro no formal de partilha consistente na menção de que o casamento dos herdeiros Odair Martins Romeira e Adelaide Pimenta Romeira ocorreu na vigência da Lei 6515/77, tendo sido realizado anteriormente a sua promulgação. É o relatório. 2. O recurso não comporta provimento. A apelante pretende o registro do formal de partilha dos bens deixados em razão do falecimento de André Martins Romeira, que foi negado pelo Oficial por entender que os herdeiros Walter Martins Romera e Dovis Sales Romera são casados pelo regime da comunhão de bens na vigência da Lei 6515/77, sendo, portanto, necessária a apresentação do pacto antenupcial. A requerente se insurgiu contra tal exigência, sustentando que a habilitação do casamento foi feita na vigência da lei anterior, a qual não exigia o pacto antenupcial para os casamentos a serem realizados pela comunhão universal de bens, posto que era esse o regime legal. Razão assiste à apelada, devendo ser procedido o registro. Com efeito, o casamento dos referidos herdeiros foi realizado em 07 de janeiro de 1978, já na vigência da Lei 6515/77, a qual entrou em vigor em 27 de dezembro de 1977, e a habilitação foi expedida em 17 de dezembro daquele ano, ainda na vigência da lei anterior. Foram muitos os casos em que o casamento se deu na vigência da nova lei e a habilitação ainda quando vigorava a anterior, sem realização do pacto antenupcial. Na época, o MM. Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos, após consulta do Terceiro Oficial de Registros de Imóveis da Capital, entendeu ser dispensável o pacto antenupcial, assim decidindo: “A questão é nova e propicia, realmente, certa perplexidade ao Oficial registrador. Já decidiu, e por mais de uma vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo, que em casos tais pode-se suprir a falta do pacto antenupcial, constando o ato por averbação à margem do assento de casamento (Revista de Jurisprudência, vol. 72/42). O mesmo pensamento foi esposado no julgamento inserido na mesma Revista, vol. 67, p. 126. Julgando hipótese em que no assento do registro do casamento constou o regime da comunhão parcial, o mesmo Tribunal assim se pronunciou: Dos autos consta que antes do advento da Lei 6515, de 26.12.1977, os apelantes requereram a habilitação para o casamento que contraíram, mas se casaram em 14.1.78, sob império da mencionada Lei. Quando requereram a habilitação, os apelantes expressamente declararam que adotariam o regime da comunhão universal, e isto está dito a fls. 5. É certo que não foi celebrado pacto antenupcial, por escritura pública, mas a declaração verbal que fizeram, reduzida a termo, tinha plena validade, pois fora ela manifestada pelo regime legal, que no silêncio optavam pelo regime da comunhão universal, praticaram eles um ato jurídico perfeito, consumado, sendo todos os requisitos suficientes para o aperfeiçoamento do negócio, durante a vigência da Lei anterior. Sendo perfeito o ato jurídico, encontrava-se ele coberto da lei que veio alterar o regime legal de bens. Adotado o jurídico e bem lançado parecer do Procurador da Justiça, Dr. Márcio de Salles Penteado, dão provimento ao apelo interposto, para o fim de ser retificado o assento do casamento, ficando constando do mesmo ser o da comunhão universal o regime de bens dos apelantes. Em casos tais, quando comprovado na habilitação, processada anteriormente à vigência da Lei 6515/77, que os noivos declararam-se pelo regime da comunhão universal e, realizado o casamento após a vigência daquela Lei, ficou constando do assento do registro civil, o regime da comunhão universal, a falta de pacto antenupcial poderá ser suprida por contrato posterior de ratificação. A solução, no entanto, se restringe a essa hipótese, justamente, quando do registro do pacto preliminar do regime de bens, por entenderem, à época, desnecessário, uma vez que já tinham declarado, por vontade, aquele regime, no processo de habilitação, anterior à nova sistemática “(processo nº 112/82). No caso em tela, os noivos escolheram na habilitação de casamento o regime legal que então vigorava, declarando expressamente que pretendiam se casar pela comunhão de bens. Em razão disso, foi dispensada a elaboração de pacto antenupcial. Assim, deve prevalecer a vontade inequívoca dos nubentes de adotar o regime da comunhão de bens, o qual é o que sempre constou do respectivo assento, merecendo na hipótese a dispensa da apresentação do pacto antenupcial que não foi feito. Por outro lado, não há óbice ao registro do formal de partilha em razão de nele constar que o casal Odair Martins Romeira e Adelaide Pimenta Romeira casaram-se na vigência da Lei 6515/77. O princípio da continuidade não foi ofendido, ao contrário do que sustentou a ilustre Promotora de Justiça convocada pela Procuradoria Geral de Justiça. Preleciona Afrânio de Carvalho que: “O princípio da continuidade, que se apóia no da especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (“Registro de Imóveis”, 4ª ed., Ed. Forense, 1998, p. 253). E acrescenta, mais adiante: “Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois, sua necessidade indeclinável em todas as mutações jurídico-reais” (op. cit., p. 254). O erro em tela se refere à qualificação dos herdeiros do detentor do domínio, pessoas que não figuram na matrícula, não havendo risco de ofensa ao princípio da continuidade. Além disso, a certidão de casamento apresentada à fls. 49 comprova que os referidos herdeiros casaram-se em 1971, muito antes da vigência da Lei do Divórcio. No formal de partilha constou o correto regime de bens adotado, sendo que a menção de que o casamento ocorreu na vigência daquela lei é erro material que não prejudica o ingresso do título no fólio real. Por fim, o registro seria de fato inviável em razão da não apresentação da certidão de casamento dos herdeiros Odair e Adelaide, porque somente assim se comprovou que o casamento se deu antes de 1978. Entretanto, não foi dada nova oportunidade à apelada para suprir tal falha, posto que na nota de devolução que originou a presente dúvida não constou tal exigência. Deveria o Oficial novamente ter devolvido o título para a juntada do documento, e aí sim, se ausente este, ter suscitado a dúvida também por esse motivo. Ante o exposto, nego provimento à apelação para, pela fundamentação ora adotada, manter a sentença recorrida. (a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator. [3] (grifo nosso) Conforme ensina Maria Helena Diniz (2005, p. 1.365): Os nubentes poderão, por meio do pacto antenupcial, estipular que o regime matrimonial de bens será o da comunhão universal, pelo qual todos os seus bens (móveis ou imóveis) presentes e futuros e suas dívidas passivas, adquiridos antes ou depois do matrimônio, tornam-se comuns, constituindo uma só massa, instaurando-se um estado civil de indivisão, passando a ter cada consorte o direito à metade ideal do patrimônio comum e das dívidas comuns. Neste caso, seguindo uma interpretação sistêmica, como sugerido acima, com exceção do que prevê o artigo 1.668 do Código Civil, o cônjuge sobrevivente terá direito a meação dos bens deixados pelo autor da herança e, portanto, não herda com eventuais descendentes. O regime da separação convencional de bens exige necessariamente um pacto antenupcial. Como premissa básica -no campo das sucessões-, optando por este regime não há que se falar em comunicação de qualquer bem, seja posterior ou anterior a união, conforme prevê o artigo 1.687 do Código Civil. Polêmico é a aplicação do referido regime no direito das sucessões. O artigo 1.829 do Código Civil introduziu a concorrência do cônjuge do falecido com os descendentes na ordem de vocação hereditária. Em que pese às divergências, o cônjuge casado no regime da separação convencional de bens herda em concorrência com os descendentes. Uma vez que, seguindo uma interpretação sistêmica, nesse caso não há que se falar em meação. Os defensores desse posicionamento salientam que a redação do artigo 1.829, inciso I, equivoca-se ao mencionar ao artigo 1.640, parágrafo único, do Código Civil. Vale ressaltar, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça em julgamento de um caso peculiar, decidiu que: O regime da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1829, inciso I, do Código Civil de 2002, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal, (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime da separação de bens, à sua observância. Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos portanto, o cônjuge não é herdeiro necessário (STJ, REsp 992.749/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 01.12.2009, DJe 05.02.2010). A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferiu um acórdão no mesmo sentido (TJSP, Agravo de Instrumento 0007645-96.2011, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, j. 04.10.2011). Contudo, em julgamento no dia vinte e três de outubro de dois mil e quatorze, o Superior Tribunal de Justiça, por seu Ministro relator RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, no REsp 1472945/RJ -o qual se recomenda a leitura na integra- manifesta-se no sentido de que o cônjuge casado no regime da separação convencional de bens herda em concorrência com os descendentes: (...) A mais adequada interpretação, no que diz respeito à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal, lógica e sistemática do próprio dispositivo, valendo consignar, por fim, que a lei que rege a capacidade sucessória é aquela vigente no momento da abertura da sucessão (art. 1.787 do CC).[4] No referido julgado, o EXMO. SR. Ministro MOURA RIBEIRO, foi voto vencido, destacamos aqui parte de seu posicionamento: (...) Não há que se confundir regime de bens e direito sucessório, mas há que se interpretar, de forma sistemática, os dispositivos legais que permitam a preservação dos fins da livre manifestação de vontade admitida pela lei. O regime da separação total de bens é obrigatório tanto por força do pacto antenupcial quanto por força de lei e os seus objetivos jurídicos devem preponderar. Interpretação diversa esvaziaria o art. 1.687 do Código Civil e, por consequência, a livre manifestação da vontade no momento crucial da morte de um dos cônjuges.[5] A lei impõe, em alguns casos, o regime da separação de bens como obrigatório aos nubentes. Nesse sentido prevê o artigo 1.641 do Código Civil: Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010) III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. A imposição se dá por razões de ordem pública e proteção aos envolvidos. Em que pese as divergências, prevalece que a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal permanece em vigor, cujo enunciado é: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Assim, estaríamos próximos ao regime da comunhão parcial. O Superior Tribunal de Justiça, em alguns de seus julgados, já se posicionou pela necessidade de prova do esforço comum para que surja o direito à participação do cônjuge na separação legal de bens, contudo, parece-nos tratar de exceção. O ideal é que no título aquisitivo já se fizesse expressa menção se a aquisição do bem é feita ou não com esforço comum das partes, prevenindo assim litígios futuros. Assim, o cônjuge não será chamado a suceder, se, por ocasião da morte do autor da herança, estiver com ele casado sob o regime da separação legal de bens. O que, por óbvio, não prejudica o seu direito de meação se assim ocorrer, nos termos da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Interessante, para corroborar nossos entendimentos, alguns das decisões do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INVENTÁRIO QUE VISA À PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DE SOCIEDADE CONJUGAL FORMADA SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. ART. 258 DO CC/1916. ESFORÇO COMUM. SÚMULA Nº 377/STF. PRECEDENTES DO STJ. 1. A partilha dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, erigida sob a forma de separação legal de bens (art. 258, parágrafo único, I, do CC/1916), não exige a comprovação ou demonstração de comunhão de esforços na formação desse patrimônio, a qual é presumida, à luz do entendimento cristalizado na Súmula nº 377/STF. Precedentes do STJ. | ||
TAGS: Inventário Extrajudicial, Débora Fayad, Inventário e Partilha, Lei nº11.441 |
||
Voltar |
|
|