Artigo: Pagamento do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, com o direito de usufruto vitalício sobre os bens inventariados - Por Luan Theodoro Machado
Publicado em 26/08/2015
Luan Theodoro Machado
Estuda-se a possibilidade do pagamento da meação do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, ser feito com o direito de usufruto vitalício sobre os bens imóveis inventariados, restando aos herdeiros a nua propriedade dos mesmos. Um tema de bastante relevância, entrementes que suscita dúvidas no labor profissional de alguns notários, registradores e advogados é a possibilidade do pagamento da meação do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, ser feito com o direito de usufruto vitalício sobre os bens imóveis inventariados, restando assim aos herdeiros, como pagamento de seus quinhões, a nua propriedade dos mesmos. Via de regra, após a abertura do inventário dos bens do espólio, é verificada a partilha da seguinte maneira: metade ideal destinada ao pagamento da meação e a outra metade distribuída aos herdeiros, respeitando, obviamente, a cadeia sucessória descrita no artigo 1.784 e seguintes do Código Civil de 2002. Não raras vezes, o(a) viúvo(a) e os herdeiros buscam remédios jurídicos que possibilitem promover a partilha de forma que seja desnecessário futuro inventário do cônjuge remanescente, e que, ao mesmo tempo, não sejam estorvos à segurança financeira deste, enquanto viver. Para atender a tal anseio, normalmente é feito o inventário judicial ou extrajudicial com a partilha dos bens, e, posteriormente, a doação da meação com a reserva do direito de usufruto vitalício ao doador. Deste modo, quando o doador vier a falecer, por óbvio não será necessário inventário - ao menos no tocante aos bens ora doados - mas, tão somente, a averbação do respectivo óbito junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o que extingue o ônus de usufruto e consolida a propriedade em nome dos donatários (nu proprietários), conforme artigo 1.710 do Código Civil de 2002. Acontece que este recurso se torna muito oneroso para as partes, tanto quanto um segundo inventário, já que, além de recolher, para fins de inventário, o ITCMD sobre a metade dos bens do espólio, ainda será indispensável o recolhimento do ITCMD sobre a doação da meação. E mais, quando o cônjuge remanescente doa sua meação - seus 50% do imóvel - e reserva para si o direito de usufruto, tal direito fica limitado somente ao percentual doado, ou seja, o direito de usufruir e perceber os frutos serão adstritos à metade do imóvel. Apesar dos comentos, não é o objetivo desse artigo levantar questões a respeito da legitimidade e da efetividade do procedimento explicitado, até porque, tal metodologia atende perfeitamente ao objetivo jurídico para o qual foi criada. O que se pretende, é alçar informações que possam auxiliar os operadores do direito a viabilizarem, de maneira pragmática, a exata simetria entre o binômio, anseio social/remédio jurídico. Assim sendo, partindo da premissa de que o usufruto é direito real autônomo, podendo inclusive, ser destacado da nua propriedade, não se vê óbice em atribuí-lo um valor e utilizá-lo para determinar o pagamento do cônjuge remanescente, e/ou, bem assim, dos demais sucessores. Neste sentido, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, se inclinam, defendendo que: "O usufruto é destacável da nua propriedade, como direito autônomo. Tanto a viúva-meeira como os herdeiros possuem partes ideais no todo. Portanto, nada obsta a que se concretizem essas partes pela forma avençada na partilha" (RT 606/106, 541/118, RJTJESP 37/31). Apreciada pelo Conselho Superior da Magistratura do estado de São Paulo, em procedimento de dúvida inversa, tal matéria deu ensejo a seguinte conclusão: “(...) até a partilha, com efeito, a meação e a herança são partes ideais e, como já estabelecido pelo Tribunal de Justiça, nada obsta a que tais partilhas se definam como sendo o usufruto e a nua-propriedade, sem que tal implique em doação, pois, diversamente, não passa de simples atribuição de partes ideais" (RJTJESP 65/236; Ap. Cível 2.595/0, j . em 01.08.33; Ap. Cível 8.597-0/1, DOJ de 21.10.88). O Superior Tribunal de Justiça, apreciando caso semelhante, reformou, em sede recurso especial as decisões proferidas pelo juiz de primeiro grau e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nas quais foi indeferida a partilha de bens no inventário que destinava à viúva-meeira o direito de usufruto sobre os bens e aos herdeiros a nua propriedade. Em seu voto, o relator, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, acastela: [...] Destacou-se, a respeito do usufruto, não haver razão para obstar sua implementação nos autos do inventário: “partindo da validade da renúncia, os bens passam incontinenti ao domínio dos herdeiros, que já haviam recebido a cota do pai quando da sua morte, pelo droit de saisine. Sendo portanto proprietários, não subsiste qualquer empecilho para gravarem os bens com usufruto vitalício em favor de sua mãe, assinalando que a escritura pública exigida resta substituída pelo termo nos autos, o qual, como se viu, dá segurança e formalidade ao ato" (RESP 88.681-96/0010531-6-SP, 4a T., v.u., j. 30.4.98). Recentemente, o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo proveu recurso no sentido de legitimar a atribuição do usufruto como pagamento da meação, afastando, inclusive, a incidência de ITBI, “in verbis”: INVENTÁRIO. Renúncia da meação por parte da viúva em prol do monte em troca da instituição de usufruto vitalício pelos herdeiros. Transação que não incide o ITBI. Precedente. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP, Relator: Paulo Alcides, Data de Julgamento: 11/08/2014, 6ª Câmara de Direito Privado) Não é demais ainda, citar os julgamentos das apelações cíveis nºs 2010.043431-2 e 2011.020018-5, ambas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nas quais resta evidenciado, ainda mais, a inteligência jurisprudencial a respeito do tema. Frente à unanimidade de entendimentos citados, podemos chegar à conclusão de que além de viável, é fidedigna a promoção da partilha de bens, destacando o direito de usufruto como parte autônoma à nua-propriedade. E com base nisso, é de bom tom ressaltar alguns dos benefícios que tal artifício proporciona às partes. De início, nota-se clara a desoneração do ato. Na prática será recolhido apenas o imposto (ITCMD) cujo fato gerador é a transmissão “causa mortis”, ou seja, sobre 50% dos bens. Não há, portanto, que se falar em recolhimento do referido tributo pela atribuição do direito de usufruto como pagamento da meação, tendo em vista, que será ele utilizado para atribuir partes ideais na partilha de bens; o que não constitui ato de liberalidade isolado, fato que ensejaria a arrecadação do fisco estadual. Fazendo uma breve análise tributária do referido método, nos deparamos com uma forte semelhança com os meios de ELISÃO FISCAL, estes que são formas LEGAIS, obtidas por meio de um planejamento tributário, para se impedir a incidência e até mesmo o fato gerador de um imposto. É válido expor, mesmo que superficialmente, sobre a diferença de ELISÃO FISCAL para EVASÃO FISCAL, nesta notamos a utilização de meios ILÍCITOS para se impedir a incidência de um imposto (sonegação de imposto, descaminho, contrabando), o que não ocorre naquela. Voltando ao tema, e citando outro ponto benéfico da partilha apresentada, não podemos deixar de falar sobre a maior segurança financeira imputada ao cônjuge supérstite, já que ele passa a ter o direito de usufruto vitalício sobre a TOTALIDADE dos bens, se assim preferir, diferentemente do que ocorre na doação da meação, como dito alhures. Tal garantia confere ao cônjuge o direito de se manter percebendo, por completo, os frutos e rendimentos dos bens gravados com o usufruto. Por fim, é conveniente salientar, que a efetivação da partilha nos moldes da metodologia discorrida, vem acrescer uma nova possibilidade de se formalizar o inventário, sem desprestigiar nenhuma outra, e com a certeza de ser um hábil artifício para se dirimir questões sucessórias, seja no contencioso judicial ou na amistosa via administrativa. Bibliografia: - COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 5, Família e Sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. - DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. - VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. - BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2013. - BRASIL. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Decreto 2.803-N, de 21 de abril de 1989. Aprova o regulamento do Imposto “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (RITCD). Disponível em: <http://www.sefaz.es.gov.br/LegislacaoOnline/lpext.dll?f=templates&fn=main-h.htm&2.0>. Acesso em: 10 de maio de 2013. | ||
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